sábado, 30 de maio de 2009

MORTE SAGRADA




A letargia é descontinuada com uma incursão madrugadora pelo rio. Um remador espera-nos apressado. São seis da manhã e os ghats já estão repletos de crentes que celebram o Prabodhini Ekadashi. Milhares de hindus purificam corpos e almas na água sagrada. A reentrada em terra firme faz-se em Manikarnika Ghat. Somos orientados, sem o solicitar, para o interior do crematório ao ar livre. A experiência é atordoante. Membros da casta dos intocáveis ateiam fogo a piras de madeira. Corpos inertes crepitam até se desfazerem em troncos de carvão humano. A morte à distância de centímetros. E então toca-nos. O cheiro intenso invade as narinas. As cinzas colam-se à nossa roupa. O fumo fustiga os nossos olhos. A intensidade do momento e do calor provoca a queda de lágrimas. Varanasi é um teste áspero. Confrontamo-nos com a impugnação íntima dos nossos medos, memórias e crenças. A cidade santa parece pedir que eliminemos a rejeição da inevitabilidade da morte. Pior ainda: exige-nos que aceitemos a finitude com benevolência e contentamento.

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