segunda-feira, 25 de maio de 2009

ACENO SUFOCADO


Até na despedida Agra não deixa saudades. Demora uma eternidade o percurso nocturno que nos leva à estação ferroviária. Parece uma visita sem guia às partes mais degradadas da cidade que é um alívio deixar. O riquexó motorizado debita altos decibéis de ruído e carradas de gases sufocantes. Balançamos com as mochilas ao colo e desconfiamos do nosso destino enquanto penetramos nos arrabaldes. Aportamos semi-aliviados numa estação secundária, escura e desterrada. O condutor procura extorquir rúpias além do combinado. Tornou-se um hábito. O chão das plataformas está cheio de famílias, animais, trouxas. Além de nós, apenas mais um casal ocidental mochileiro. A noite vai alta e a espera é longa. Somos cercados por um grupo de homens indianos. Perguntam de onde somos, para onde vamos, como é a nossa vida em Portugal. Os olhares fixos e a catadupa de perguntas, aliados ao cansaço da noite alta, provocam desconforto. A inquisição termina quando o grupo corre apressado para apanhar o comboio que esperava. Já em andamento, a partir da porta, o único falante inglês que comunicara connosco apresenta um sorriso escancarado. Acena efusivamente aos novos amigos. Olhamos um para o outro e sorrimos. O episódio funciona como uma súmula da Índia: penosamente difícil de suportar mas, sempre que ficamos à beira do desespero final como no quadro O Grito de Edvard Munch, com um momento especial (e fugidio) à espreita.

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