sexta-feira, 31 de julho de 2009

LAOS FEITICEIRO


Escolhemos de propósito a forma mais longa de atravessar a fronteira. Sobra-nos tempo, por enquanto. Depois da noite passada em território tailandês, acordamos para um pequeno-almoço em ambiente campestre. Sentados à mesa, avistamos o nosso destino do outro lado do rio. Não há ponte para a passagem. Metemo-nos numa carrinha até ao controlo de passaportes. Obtido o carimbo de saída, é num pequeno barco rasteiro que atravessamos o rio. Desembarcamos em Huai Xai como diria a AV “sem pompa nem circunstância”. Passaportes novamente controlados, trocamos dólares pela moeda local. Ficamos com as mãos cheias de maços de notas, sem saber bem onde as colocar. Um dólar equivale a cerca de 10 mil Kips. Somos pequenos milionários na República Popular do Povo Lao. Na praia de terra barrenta jaz um colchão. Não precisamos. É manhã cedo mas estamos bem repousados.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

PARTIDA CONVULSA




Há coisas que mudam do dia para a noite. Como a deliciosa sopa com leite de coco do jantar que se transforma num pesadelo intestinal na manhã seguinte. O mal estar estomacal adia a partida. Passamos parte do dia a vasculhar estantes de livrarias, onde lombadas de livros usados coabitam com livros novos. Nos correios enviamos para Portugal uma segunda remessa de lembranças (o saco cosido na Índia já havia seguido). Depois assistimos ao entardecer da cidade no templo Phra Sing. De cabelo rapado e vestes cor-de-laranja, jovens estudantes do budismo jogam à bola, conversam e riem no jardim exterior. Até dão pontapés nos traseiros uns dos outros. Lá fora, junto às grades da escola pública, adolescentes fardados com camisa branca e saia/calça azul, brincam com os telemóveis enquanto namoriscam sentados nas aceleras. À custa de repouso, chá e panquecas, o meu estômago dá sinais de melhoria. E como num passe de mágica, depressa estamos numa mini carrinha a caminho Chiang Khong, terra fronteiriça. Desta vez temos alojamento marcado, “cortesia” da Libra Guesthouse está claro. O calor do dia contrasta com a descida de temperatura à noite. A janela da cabana de madeira não fecha e faltam cobertores para o frio que se avizinha. Solicitamos reforços e dormimos num casulo de mantas e repelente de mosquito. Amanhã conheceremos um novo país.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

PULSEIRA MÁGICA

A nossa viagem é, sobretudo, humana. Compõe-se de luz e trevas, alegrias e tristezas, exultações e desesperos. Os cordéis brancos que trouxemos enrolados nos pulsos de Doi Suthep, transformam-se num bem precioso. A pulseira rafeira emana uma espécie de paz a que podemos agora recorrer nas horas de aflição. Tenho medo de a esgarçar embora saiba que um dia ela acabará por romper-se. Resisto à tentação de não a molhar enquanto tomo duche de forma a preservá-la. Gosto da sensação daquelas voltas de fio molhado a secar junto à minha pele. E não perco a hipótese de a molhar no riacho que temos de atravessar por uma “ponte” de troco de árvore, a caminho da etapa que culmina a nossa excursão: o “rafting” em jangada de bambu. A descida revela-se o momento mais contemplativo do dia. A água límpida em que navegamos contrasta com a água barrenta do Ganges que me deixou durante dias com uma sensação de ardor na pele da mão. Aqui reina a natureza imaculada, num silêncio decomposto apenas pelo canto dos pássaros. Um ínfimo rápido aumenta a adrenalina e molha-nos os pés, os rabos e as pulseiras. Chegámos salvos e muito sãos ao final do “parque de diversões” de Chiang Mai. É tempo de partir.

terça-feira, 28 de julho de 2009

ALDEIA FAJUTA




A segunda paragem da excursão marcada através da nossa guesthouse leva-nos até duas aldeias de tribos das montanhas. Refugiados do Tibete, Myanmar, Laos ou China, os representantes destas etnias têm características distintas em termos de vestuário, costumes, língua e crenças espirituais. Tornaram-se um atractivo turístico região norte da Tailândia mas o negócio do “treking étnico” acabou por desvirtuar muitas aldeias. A primeira em que paramos, pertencente a tribo Karen, ainda mostra elementos de autenticidade. Crianças descalças jogam à bola. Galos e porcos circulam livremente. Idosas tecem lenços em teares manuais. Meninas vestem o branco destinado às mulheres não casadas. Sente-se um ambiente campestre apesar dos expositores com lembranças para turista comprar. Mas nada comparado com a segunda paragem. Composta por dez casotas (uma delas com um cartaz a anunciar “Massage / Relaxation”), a “aldeia” estava praticamente deserta. As bancas das vendedoras presentes parecem uma imitação do mercado nocturno de Chiang Mai. Estatuetas de Buda, pulseiras, colares, malas, lenços, cintos da Diesel, carteiras... cintos de quê? No cor-de-rosa forte, o cinto parece berrar a falsidade daquela aldeia forjada. Estamos em pleno parque temático. E ainda por cima não precisamos de cintos.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

MEMÓRIA DE ELEFANTE


Quase noutra “vida”, já aprendera o que era andar de camelo num deserto da Índia. Agora chegou a vez de andar de elefante numa floresta da Tailândia. O animal, visto de perto, tem um porte assustador. A partir de uma plataforma elevada, incitam-nos a passar para o banco empoleirado no dorso. Receamos colocar o pé na testa do paquiderme, com medo de o magoar. A nossa ingenuidade é exposta quando nos dizem que o domador do elefante irá sentar-se precisamente na testa. Pisamos uma superfície dura e áspera. Sentados como marajás, impressiona-nos a estabilidade do elefante, mesmo a descer declives acentuados. As inclinações e oscilações resultam numa sensação de mini montanha-russa. Ao longo do trajecto, somos incitados a comprar bananas para os elefantes “ficarem felizes”. Adquirimos um cacho na primeira “estação de alimentação” mas nas cinco paragens subsequentes rejeitamos o negócio paralelo para extorquir mais bhats aos turistas. Condicionado para levantar a tromba na nossa direcção, o elefante pede a guloseima sempre que paramos num posto de abastecimento. Quando percebe que não tem sorte, mostra o desagrado ao enveredar por caminhos fora do trilho habitual. O guia-domador também não fica contente com o trabalho acrescido. O safari ganha energia. Gostamos deste elefante “indomável”, zangado com portugueses que lhe negaram as bananas-sobremesa.

sábado, 25 de julho de 2009

MERCADOS TEMÁTICOS


No que toca a picante, a Tailândia tem tudo. Os trajectos nocturnos até à imensa feira ao ar livre (bijutaria, roupa, calçado, estátuas, DVDs, lanternas, binóculos...) levam-nos a passar por bares de strip e salões de massagem. Expostas à porta, jovens tailandesas incitam os farang (turistas) a entrar. Mesmo com a AV ao lado, há mulheres que se dirigem a mim. Uma delas agarra-me o braço: “Come in! Come in!” Em Chiang Mai não se vêem homens ocidentais sozinhos. Aqueles que não têm a mulher ou namorada ao lado, estão acompanhados por uma tailandesa. Ou duas. O contraste com a Índia é enorme. De um sítio onde a sexualidade vive encapuçada, em que o toque público entre homens e mulheres é praticamente uma impossibilidade, passamos para uma nação que parece o prostíbulo do mundo. Aqui na Tailândia tudo é claro: o sexo existe e não é pecado. Como num quadro de Toulouse-Lautrec.
Um cartaz a anunciar Thai Boxing gratuito distrai a nossa atenção deste mercado sexual. Entramos numa galeria coberta. Ao longe, iluminados por holofotes brancos, dois pugilistas enfrentam-se. O corredor está ladeado de bares pejados de mulheres de roupas curtas que incitam a libido. O olhar das tailandesas questiona a presença da AV. Chegados ao pé do ringue, encontramos os pugilistas espojados em cantos opostos. Somos o único público presente e eles não parecem inclinados a retomar à luta. Regressamos à guesthouse e relemos com outra consciência o aviso colocado na parede: “No prostitutes allowed.”

sexta-feira, 24 de julho de 2009

CINCO FACES DE BUDA




DEVOÇÃO ORIENTAL





PARA BAIXO NEM TODOS OS DEUSES AJUDAM






O ambiente da Libra guesthouse presta-se à modorra. Acordamos com descontracção, sem planos definidos. Durante o pequeno-almoço tardio, decidimos ir até Doi Suthep. Construído em 1383, o templo alcandorado no topo da montanha é um dos locais de peregrinação mais sagrados da Tailândia. A viagem de songthaew é composta de curvas e contracurvas. A enjoativa subida de pick-up tem sequência numa ascensão pedonal de 300 degraus. Os 1676 metros de altitude dificultam a tarefa; a fraqueza invade os nossos corpos que só ganham alento face à visão de um templo soberbo. Somos recebidos por dezenas de representações de Buda em diferentes atitudes meditativas, monges que nos abençoam com rezas enquanto atam fios brancos ao nosso pulso, e um corrupio de devotos que acendem velas, queimam incenso e oferendam flores. A atmosfera turística é compensada pela beleza das formas dos templos e estátuas. A intensa luz solar reflecte-se no dourado e transmite uma matiz divina. Mas nem a bênção budista nos salva do martírio que é o retorno do cume. Os 30 minutos de descida acidentada causam um desconforto que mede forças com uma longa viagem de comboio na Índia. Que saudades das estradas rectilíneas que nos trouxeram até Chiang Mai.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

UTOPIA BELGA


À noite partilhamos a mesa – e o pad thai feito com as nossas mãos – com o casal de belgas Marc e Mie, companheiros na aventura culinária. Depois, guiados pelo simpático ladyboy que trabalha na nossa guesthouse – (chama-me “My Man!” o que me provoca riso até descobrir que ele diz o mesmo a outros rapazes... pfff), partimos em excursão noctívaga. Trocamos experiências de vida em Portugal e na Bélgica e dissertamos sobre prós e contras. Concluímos que nascemos no lado sortudo do globo. O Marc argumenta que os Governos ocidentais deveriam pagar uma viagem aos adolescentes, antes de entrarem na universidade, para que conhecessem as Índias deste mundo. No fundo para que se apercebessem de como são (somos) afortunados. Tem razão. Aqui estamos, num bar de Chiang Mai, a beber cervejas Singha e Chang, a criar novos episódios do nosso caminho agora cruzado com estes amigos belgas. As partidas de snooker a quatro têm fundo sonoro por uma banda local que assassina êxitos dos The Doors, antes de dar lugar a um grupo de descendentes de Bob Marley que maltratam hits do rei do reggae. O bar chama-se Utopia. Mas a noite partilhada parece querer contrariar essa ideia de inalcançável.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

PRATO PICANTE






Tal como na Índia, também na Tailândia é preciso levar à letra os avisos de que a comida é picante. Nas sopas é frequente encontrar pedaços de gengibre ou malagueta que, se trincados, são um teste à resistência do paladar. Previdente, a AV não se deixa levar pelo meu entusiasmo e volta e meia refugia-se nas inofensivas tostas mistas. Mas um jantar de camarões com ananás e galinha com cajus confirma que a cozinha tailandesa pode ser refinada, na fritura e no sabor. Não escapamos por isso a um curso de culinária. Sentados no chão, frente a tachos, woks e ingredientes variados comprados durante a visita matinal ao mercado local, seguimos as instruções em inglês arrevesado da professora. Com o auxílio da simpática ajudante (que só acenava com a cabeça), testamos o nosso receio de óleo quente ou lume forte para fazer sopas, caril verde, spring rolls, banana com xarope de coco e o inevitável pad thai. Como preparação prévia, esmagamos as malaguetas num almofariz até obtermos uma pasta picante. Aplicamos o preparado com contenção. Afinal, vamos almoçar o que cozinharmos. E ainda sobra para levarmos para o jantar.

terça-feira, 21 de julho de 2009

TEMPLOS DE ALMA SERENA






Mapa na mão, partimos à descoberta dos templos de Chiang Mai e encontramos a arquitectura que caracteriza os postais ilustrados da Tailândia. Os recintos dos wat Chiang Man (1296) e Chadi Luang (1401) são locais religiosos transbordantes de vida. Ao lado das construções centenárias que incluem relíquias milenares (há uma estátua de pedra do Buda que se pensa ter 2500 anos), jazem edifícios modernos que nos deslumbram com uma miríade de cores, fachadas trabalhadas e telhados desnivelados. As imagens douradas do Buda esguio são banhadas por uma aura desconhecida que nos envolve e arrebata. As estátuas não representam sofrimento como as de Jesus Cristo na cruz, mas sim um estado de graça e iluminação. Contemplar este Buda aplaca todos os medos. Sentamo-nos num banco do jardim que circunda os templos a observar o passo lento dos monges de cabelo rapado vestidos de açafrão. Cães espreguiçam-se num terreno seguro. Ocasionalemnte, o timbre reconfortante dos sinos propaga-se fugazmente pelo recinto. Perdemo-nos numa calmaria que renega a reverência imposta. A nossa alma está serena.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

CHIANG MAI EXCURSIONISTA


Não há histórias para contar numa viagem de autocarro tailandês. Excepto quando este pára junto a uma berma para a revisora dos bilhetes sair. Aproxima-se de uma árvore e começa a martelar a casca, impelindo as lascas para dentro de um saco de plástico. Sábio, um monge tibetano ausenta-se do assento, desce do autocarro, e distancia-se cinco metros. Ele sabe que tem tempo de aliviar a bexiga, tapado pelo hábito cor de laranja. Ou excepto quando almoçamos uma salsicha e um pão com um recheio indefinido, comprados numa banca de estrada. Também não há histórias para contar na chegada a uma nova cidade tailandesa. Excepto quando somos confrontados com um Carnaval já esquecido: taxistas de songthaews a apresentarem preços inflacionados a que reagimos com regateio até chegar a um acordo. Ou quando a guesthouse em que pernoitamos é uma verdadeira mini-cidade turística, com salão de tatuagens e massagens e um maciço livro de excursões e actividades à disposição, ilustrado por fotos de anteriores viajantes visivelmente contentes. Não há tempo para ter saudades de Sukhothai. À minha frente está uma fumegante sopa de galinha e legumes que reclama toda a atenção. Picante q.b., está claro.

sábado, 18 de julho de 2009

ESPRESSO EMPRESTADO


Três restaurantes de aspecto asseado partilham o mesmo espaço ao ar livre. Temos problemas de consciência sobre qual deles escolher. Uma tabuleta a anunciar “Espresso” resolve a contenda. Sentados em bancos de madeira, rodeados de natureza, almoçamos massa asiática cozinhada num wok com uma mistura de feijão verde, amendoim, malaguetas e ovo. A comida tailandesa cheira bem, sabe bem e parece preparada com elevados cuidados higiénicos. Mesmo as bancas à beira da estrada apresentam-se impecavelmente limpas, expondo alimentos reluzentes. No mercado da nova Sukhothai, apesar do aspecto asseado, não nos forçamos a provar as iguarias à base de insectos. Há baratas e minhocas fritas para quem quiser, ladeadas de bancas de roupa, lingerie, brinquedos, calçado e CDs. A simpatia é generalizada mas sem exageros. A simplicidade funciona como o trunfo tailandês. E por isso não ficamos zangados quando a senhora que nos serve o almoço tem de ir ao restaurante do lado buscar o café pedido. Pelo contrário, a nossa consciência até agradece.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

MEDITAÇÃO RURAL






O parque de Si Satchanalai evoca bem o termo de ruína histórica. São poucos os vestígios ainda de pé do passado imponente, mas o passeio vale pela oportunidade de regressar ao selim da bicicleta. À procura de stupas (torres em forma de sino, divididas por cinco elementos estruturais que simbolizam a terra, a água, o fogo, o vento e o vazio) devidamente preservadas, assobiamos a música do Verão Azul e cantarolamos “é uma casa portuguesa, com certeza” sem voz de Amália. Entusiasmados, decidimos enfrentar uma ponte digna das aventuras de Indiana Jones e os cinco quilómetros que nos separam do museu dedicado ao forno de Chialang, um dos muitos descobertos na zona e responsável pelo fabrico de peças de olaria que granjearam fama por outras partes do mundo (os Indonésios eram coleccionadores dedicados). Faltam legendas em inglês para entendermos a riqueza exposta mas, como temos constatado várias vezes, é no trajecto que está o verdadeiro achado. Ao longo da estrada rural admiramos a arquitectura das casas e o cuidado com que são mantidas, enquanto respondemos aos afectuosos “hello” enviados pelos habitantes à beira da estrada. O regresso pesa nas pernas. Paramos numa sombra e meditamos como se imitássemos as estátuas do Buda sentado. Viajamos no tempo até estarmos de novo deitados no nosso quarto, satisfeitos por mais um dia cumprido.