sábado, 27 de junho de 2009

SONHOS DE CARANGUEJO


As janelas dotadas de vidros que não fecham dão acesso a uma paisagem plana e árida, enquanto arejam o interior com pó e gases vindos da estrada. Dentro de um autocarro indiano somos um enxerto de sardinha com enguia em lata. A tremideira é constante mas não há espaço para onde tremer. Estica-se a perna para lado nenhum e dormita-se encostado ao amparo de cabeça do assento da frente. Somos os únicos estrangeiros no veículo. Os rostos em redor estão ensimesmados nas próprias vidas. A música alta compete com o ruído das acelerações do motor. Um estrondo vindo da traseira desperta os passageiros. Pelo espelho retrovisor, o condutor controla a situação. Abana a cabeça em desaprovação. Junto ao último banco está agora uma mulher agachada. Procura reaver todos os caranguejos vivos que viajavam dentro de uma sacola enorme. O som de tenazes a bater sobrepõe-se magicamente às buzinadelas, música e falatório. Descobrimos dez centímetros de espaço para elevar os joelhos e ficarmos com os pés suspensos no ar. Encostamos a cabeça, agora às mochilas entaladas entre nós, e dormitamos de novo. Assumimos a forma de caranguejo, regredimos no tempo e compreendemos que a viagem à Índia não passou de um sonho.

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